Conexões: O ensino de português nos Estados Unidos

Silva, Kleber and Eduardo Viana da Silva (eds.) Conexões: O ensino de português nos Estados Unidos. Editora Mercado de Letras, 2022. 372 pp

APRESENTAÇÃO

Kleber Aparecido da Silva, Universidade de Brasília

 Eduardo Viana da Silva, Universidade de Washington

 Este livro surgiu da ideia de apresentar práticas de ensino do Português como Língua Adicional (PLA) utilizadas nos Estados Unidos para docentes de PLA nos EUA, Brasil e demais países lusófonos. Apesar de possuirmos o mesmo objeto de estudo e de trabalho, há uma necessidade de maior comunicação entre professories de PLA nos Estados Unidos e no Brasil, além de outros países de fala portuguesa. Se, por um lado, o contexto do ensino de português em um país de língua inglesa como os Estados Unidos difere significativamente dos contextos em países lusófonos, por outro lado, muitas das práticas pedagógicas que norteiam professories de PLA são similares. Esperamos que esta edição, a qual conta com a colaboração de 18 docentes de português radicades nos Estados Unidos, sirva como um meio de conexão entre educadories dos EUA e do Brasil, além daquelus que trabalham com o ensino de PLA em outros países.

         No contexto educacional dos Estados Unidos, o português é normalmente ensinado no nível universitário, com exceção de alguns estados que oferecem português no ensino fundamental e médio em escolas bilíngues ou como língua estrangeira. No entanto, mesmo nestes estados, dos quais se destacam Utah, Califórnia, Flórida e Massachusetts, o ensino de PLA que antecede à universidade é limitado a poucas escolas do ensino fundamental e médio. Nos EUA, a maioria das vezes, o português é uma disciplina que é somente oferecida no nível universitário, especialmente em instituições superiores de pesquisa e também em regiões do país onde o português possui uma presença mais acentuada por conta da imigração, seja ela do Brasil, de Portugal (com destaque para a imigração açoriana), de Angola, Cabo Verde, ou dos demais países lusófonos.

A limitação de programas de português nos EUA impõe também restrições na abrangência de disciplinas oferecidas em PLA, exigindo a flexibilidade de profissionais da área. Muitas vezes os cursos de português são oferecidos para turmas multilíngues, as quais são formadas, por exemplo, por monofalantes de inglês, falantes bilíngues de inglês e espanhol, e também por falantes de herança de português. Além disto, os níveis de proficiência em português podem variar significativamente em uma mesma turma. Não é incomum cursos de PLA possuírem estudantes com níveis de proficiência intermediário e avançado em uma mesma sala de aula, por exemplo. Todos estes desafios exigem muita criatividade por parte de docentes, tanto na seleção do material didático, quanto na criação de atividades pedagógicas que atendem a um público diverso, incluindo atividades diferenciadas por níveis de proficiência para uma mesma turma, ou o desenvolvimento de cursos alternativos de acordo com a demanda estudantil. Certamente, o ensino de PLA no Brasil e em outros países lusófonos encara também seus próprios desafios, como é o caso do ensino de português como língua de acolhimento para imigrantes, por exemplo.

De acordo com dados de 2016 da Associação Americana de Línguas Modernas (MLA – Modern Language Association), nos Estados Unidos o ensino de português corresponde a somente 0,69% das línguas estrangeiras ensinadas nas universidades[1]. Apesar de o português ser um dos idiomas mais falados no mundo, o mesmo ocupa uma posição de desvantagem no quadro de ensino de idiomas nos Estados Unidos, o qual favorece línguas como espanhol, francês e alemão, por exemplo. Certamente, esta situação se reflete também nos cursos oferecidos no sistema de ensino estadunidense e no constante esforço de se atrair estudantes para os programas de português. O Governo dos Estados Unidos, através da Secretaria de Educação e do Departamento de Estado, considera a língua portuguesa como uma língua crítica para os Estados Unidos. Ou seja, o português é considerado um idioma que deve ser incentivado no sistema de ensino americano, com o objetivo de formar mais estudantes e futures profissionais que possuam fluência na língua. A lista de línguas críticas nos Estados Unidos inclui idiomas como coreano, chinês, árabe, hindu, turco, russo e suaíli, entre muitos outros. Para se fortalecer o ensino das línguas consideradas críticas, o Governo dos Estados Unidos oferece bolsas de estudos para estudantes que queiram começar ou continuar com o ensino de português. Entre tais programas, destacam-se o Fulbright, o FLAS (Foreign Language and Area Studies), Boren Scholarship e o CLS (Critical Language Scholarship). Apesar de estas bolsas de estudos incentivarem o aprendizado de línguas críticas, as mesmas não são o suficiente para se reverter um cenário pautado por uma demanda baixa de estudantes e por currículos educacionais que valorizam ao extremo as ciências exatas, muitas vezes em detrimento dos cursos em humanidades. Os cursos de verão para estudantes do ensino médio, também patrocinados pelo Governo dos EUA e por vezes incluindo o ensino de línguas associado às áreas de CTEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) e à área de segurança cibernética são possivelmente os exemplos mais claros desta tendência quase universal.

Mesmo diante de todas as dificuldades citadas anteriormente, professories de PLA nos Estados Unidos encontram alternativas para aprimorar os cursos, compartilhando experiências em uma comunidade acadêmica marcada muitas vezes pela criatividade e solidariedade. Talvez pelo fato de o número de docentes na área de PLA no contexto estadunidense não ser muito grande e também por enfrentarmos vários desafios em comum, o compartilhamento de ideias e de abordagens de ensino é incentivado e apreciado. Possivelmente um dos exemplos mais claros disto é a criação de livros didáticos e de materiais de ensino do português que estão disponibilizados em plataformas abertas online e sem custos para os usuários[2]. Algumas organizações dos EUA promovem também as iniciativas em prol do ensino de português, como é o caso da AATSP (American Association of Teachers of Spanish and Portuguese), fundada em 1917, ou de organizações mais recentes, como a AOTP (American Organization of Teachers of Portuguese), fundada em 2007. 

As conferências e simpósios de português nos Estados Unidos consistem em um espaço para a troca de ideias e o desenvolvimento profissional, ainda que nem todas as pessoas envolvidas no ensino de PLA possam participar de tais eventos. Dentre estes, destacamos as conferências da AATSP, o Encontro Mundial sobre o Ensino de Português da AOTP, a convenção do ACTFL e a conferência da BRASA, a qual já foi sediada nos Estados Unidos.

Objetivando facilitar a leitura, o livro Conexões: O ensino de português nos Estados Unidos está dividido em 5 partes, nomeadamente: (1) O português e a negritude, (2) Cultura e identidade no ensino de português, (3) Desenvolvimento curricular, (4) Práticas pedagógicas e (5) Pesquisas em linguística aplicada e português.

Abrimos esta edição com dois capítulos da parte 1 sobre o português e a negritude. O primeiro capítulo, de autoria de Edvan P. Brito, trata da diversidade cultural e linguística nas favelas/comunidades brasileiras e suas implicações para o ensino de português como língua adicional. Seguimos com o capítulo 2, de Paulo Dutra, da Universidade do Novo México, no qual o autor apresenta uma proposta educacional de literatura a partir de autores afro-brasileiros. Parece-nos importante salientar que a discussão em torno da diversidade e da negritude é certamente pertinente também aos cursos de português como língua adicional e como tanto, esperamos que os capítulos iniciais deste livro posicionem a importância a esta narrativa, que historicamente foi, e ainda hoje é, tantas vezes ignorada ou apresentada desde uma perspectiva exoticizada.

O capítulo 3, de autoria de Mércia Regina Santana Flannery, da Universidade da Pennsylvania, abre a segunda seção do livro: Cultura e identidade no ensino de português. A autora apresenta um modelo de prática pedagógica que considera contextos históricos, sociológicos e literários, com especial atenção ao preconceito linguístico e à formação de cidadãos globais. Em sequência, o capítulo 4, de Michele Saraiva Carilo da Universidade de Edinburgh, apresenta uma discussão teórica e uma proposta educacional para cursos de PLA para falantes de espanhol, levando-se em consideração a importância da crítica pedagógica e das relações interculturais. Ainda nesta mesma seção, no capítulo 5, Vivian Flanzer, da Universidade do Texas em Austin, apresenta uma proposta de ensino da cultura e da identidade brasileira através do uso de crônicas, as quais fazem parte do livro didático ClicaBrasil, também de sua autoria.

Na parte 3 desta edição, intitulada Desenvolvimento Curricular, Alan Parma, da Universidade de Chicago, e Célia Bianconi, da Universidade de Boston, analisam no capítulo 6 a motivação no aprendizado de português e suas ramificações curriculares através de uma pesquisa  conduzida em universidades nos estados de Massachusetts, New Jersey, Maryland, Califórnia e Flórida. Já no capítulo 7, Maria Luci De Biaji, da Universidade de Charleston, nos descreve o currículo de um programa de imersão oferecido no verão estadunidense pela Universidade de Middlebury. A autora contextualiza os programas de imersão em português nos Estados Unidos e apresenta o modelo pedagógico seguido pelo programa coordenado por ela entre 2008 e 2022. O capítulo 8 desta secção, de autoria de Bruna Sommer-Farias, da Universidade Estadual de Michigan, e das autoras da Universidade do Arizona: Ana Carvalho, Mariana Centanin Bertho e Adriana Picoral, apresenta estratégias de adaptação curricular de acordo com uma pesquisa conduzida com estudantes de português na Universidade do Arizona.

         Iniciamos a parte 4 deste livro, Práticas pedagógicas, com o capítulo 9 de Orlando Kelm, da Universidade do Texas em Austin. O autor descreve a produção e implementação de materiais didáticos desenvolvidos por ele e sua equipe em uma plataforma aberta, com a produção de podcasts e outros materiais educacionais. No capítulo 10, Rachel Mamiya Hernandez, da Universidade do Havaí em Mānoa, descreve uma prática do ensino de português através da produção estudantil de narrativas digitais. E finalmente, terminamos esta seção com o capítulo 11, no qual Carlos Pio, da Universidade da Pennsylvania, descreve em detalhes uma proposta para programas de negócios com base em sua experiência com cursos de português inclusivo para negócios em sua instituição.

         A última parte deste livro, Pesquisas em Linguística aplicada e português (Parte 5), abre com o capítulo 12, de Cristiane Soares, da Universidade de Harvard, e Gláucia V. Silva, da Universidade de Massachusetts Dartmouth. As autoras apresentam uma proposta para o ensino do gênero gramatical em português com base em uma pesquisa desenvolvida por ambas. E finalmente, o capítulo 13 encerra o livro com uma pesquisa conduzida por Fernanda Ferreira, da Universidade Estadual de Bridgewater. A autora analisa a eficácia do programa Book Creator na escrita de português por estudantes caboverdianos nos Estados Unidos.

         Esperamos que esta coletânea gere ideias e propostas de ensino de PLA, tanto nos EUA como no Brasil e em outros países lusófonos. Seria injusto não reconhecermos a paciência e dedicação das pessoas que colaboraram com esta edição e que no decorrer dos últimos dois anos trabalharam conosco no desenvolvimento deste livro, enquanto passávamos e ainda passamos por uma pandemia que levou e continua levando muitas vidas. Pessoalmente, todes nós fomos e somos afetades pela pandemia do COVID, algumes certamente mais que outres. Profissionalmente, o ensino de PLA também sofreu mudanças drásticas para se adaptar ao ensino virtual e/ou híbrido, das quais não tratamos neste livro, mas certamente são e serão temas de outras edições sobre o assunto.

         O nosso agradecimento em especial a todes estudantes que fazem parte do nosso dia a dia nas aulas de português como língua adicional. A elas, eles e elus dedicamos este livro!

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