Apresentação
Este dossiê apresenta uma série de estudos que articulam o ensino do português como língua adicional (PLA) sob o prisma da cidadania global, incluindo estudos teóricos e pedagógicos que fomentam uma abordagem crítica e humanitária em aulas de PLA. Os autores apresentam perspectivas teóricas e aplicações educacionais tendo como referência principal os cursos de português no Brasil, além de cursos na Ásia, em Portugal, no Canadá e na América Central. Consideram-se amplamente os contextos locais e globais dos estudos aqui apresentados. Temas como a globalização e a comunicação intercultural são analisados pelos autores a partir do que Paulo Freire determina como “o educar para humanizar”. Seguindo a proposta freiriana, observa-se ao longo deste dossiê teorias que apresentam os conceitos de cidadania global e pedagogia crítica, incentivando-se um diálogo produtivo, e por vezes desafiador, nas aulas de português como língua adicional (SILVA; SANTOS, 2013; FREIRE, 1987, 1997).
O objetivo central deste dossiê é o de apresentar um marco teórico-pedagógico que vai além do mero ensino de diferenças sócio-culturais, tais como as que se veem frequentemente em livros textos de português, mas propor também a formação de cidadãos globais e pensadores críticos. Os artigos aqui apresentados incentivam a implementação de técnicas de ensino que promovam um pensamento independente, bem informado e crítico entre os estudantes e professoras/professores de português. Tal orientação pedagógica baseia-se em conceitos de descolonização global e em dimensões de identidade nacional, política, ética e cultural, que dada a natureza das aulas de línguas e as limitações linguísticas dos estudantes, são muitas vezes analisadas e articuladas a partir de produtos culturais, sem necessariamente promover uma discussão mais aprofundada do significado de tais produtos.
Este dossiê abre com dois artigos que tratam do ensino de PLA e de sua dimensão global durante a pandemia do COVID-19. Rosana Helena Nunes e Kleber Aparecido da Silva propõem uma pedagogia humanizadora para o ensino de PLA durante o COVID-19. Os autores oferecem um panorama do português como uma língua internacional, apresentando uma discussão teórica sobre as políticas linguísticas em Pennycook (1998; 1999; 2001) e Calvet (2007), entre outros estudiosos, e uma discussão sobre a linguagem como formação humana e emancipatória do indivíduo. Já o segundo artigo, de autoria de Hanzi Zhang, analisa a evolução multidimensional das competências interculturais através da interação virtual entre 27 estudantes chineses de PLA e 27 estudantes portugueses. A ênfase de seu estudo é nas relações interpessoais entre os estudantes chineses e portugueses durante a crise do COVID-19.
Considerando-se as perspectivas local e global, os próximos artigos tratam do português como língua de acolhimento (PLAc) no contexto de imigrantes e refugiados no Brasil. Luiza Silva de Andrade discute a conexão entre a linguística aplicada e a antropologia. A autora analisa os conceitos de não-lugar e de lugar a partir no contexto de supermodernidade (Marc Augé, 1995). No processo de transformação dos não-lugares em lugares, Luiza Silva de Andrade argumenta em favor da inclusão dos estudantes migrantes em suas comunidades e da importância de se dar agência aos estudantes de PLAc, como, por exemplo, por meio das narrativas de sobrevivência. Por sua vez, o estudo de Marcus Vinícius da Silva e Cora Elena Gonzalo Zambrano reflete sobre a formação de professores para os programas de PLAc com estudantes em situação de imigração e refúgio no estado de Roraima. Os autores propõem uma análise do contexto global ao local, enfatizando a importância da descolonização das salas de PLAc e demonstrando ações políticas formativas pontuais desenvolvidas pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal de Roraima. Ainda sobre o tema de PLAc, Lovani Volmer, Pietra da Roos e Rosemari Lorenz Martins discutem as experiências de acadêmicos de licenciatura em Letras da Universidade Feevale em oficinas de português para migrantes e refugiados na cidade de Novo Hamburgo, no Rio Grande do Sul. As autoras descrevem as iniciativas pedagógicas e as oficinas de ações educativas voltadas para a garantia dos direitos humanos, visando a integração dos migrantes em sua comunidade e o exercício de sua cidadania.
O cunho pluricêntrico de PLA e as questões de identidade são os temas centrais dos artigos seguintes. Gabriel Nascimento e Maria D'Ajuda Alomba Ribeiro apresentam um estudo de caso, no qual se discute a questão identitária de um professor de português estrangeiro. Os autores defendem a língua como direito, como o espaço no qual os sujeitos podem existir legitimamente. No que tange à legitimidade, à cidadania global e à sensibilidade local, Isabel
Cristina Michelan de Azevedo, Ricardo Nascimento Abreu e Raquel Meister Ko. Freitag argumentam em seu artigo que o português brasileiro e suas variantes correm o risco de serem sub-representados e estereotipados. Os autores defendem a necessidade de desenvolvimento de uma consciência crítica intercultural. Seguindo esta mesma linha de
raciocínio, Luciana Graça e Anabela Rato propõem atividades didáticas que demonstram a diversidade linguística e cultural do mundo lusófono, com o objetivo de oferecer uma abordagem pluricêntrica para as aulas de PLA, promovendo assim a cidadania global. As autoras baseiam-se em experiências prévias com o ensino de PLA através de projetos no Canadá.
Considerando-se as perspectivas do português para fins específicos, Luísa Zanini Vargas apresenta um relato de um projeto sobre a capoeira realizado em uma escola na Martinica, território insular ultramarino francês, e tem como objetivo esmiuçar cada etapa dessa experiência e analisar seus efeitos sobre o corpo discente. O projeto relatado neste artigo, que durou cerca de dois meses, foi embasado em uma perspectiva comunicativa, acional e intercultural, e contou com o aporte teórico dessas áreas no âmbito do ensino de português enquanto língua estrangeira (PLE). A análise realizada pela autora buscou englobar o contexto sociocultural da escola e do público e os objetivos linguísticos e sociais propostos pelos docentes, em prol de uma formação à cidadania. Elisa Marchioro Stumpf tem por foco no seu artigo o português acadêmico em aulas de PLA. Para tal intento, a pesquisadora apresenta e discute uma proposta de um curso de leitura e produção de textos acadêmicos em português como língua adicional para pós-graduandos estrangeiros em uma universidade brasileira. O quadro teórico que guiou o planejamento do curso vem do modelo de letramentos acadêmicos, que destaca aspectos sociais das práticas de leitura e escrita, além de questões de poder e conhecimento, bem como as identidades dos alunos e práticas de criação de sentido. Considerando a possibilidade de utilizar o modelo para o planejamento de cursos de escrita (LILLIS, 2003), a autora examinou como este planejamento pode ser útil para expandir o ensino para além do texto. Mostrando como os princípios se materializaram no planejamento e execução do curso, discutimos suas possibilidades e limitações para o contexto.
O ensino de português como língua adicional em contexto universitário, a partir de uma pedagogia crítica intercultural é o foco do artigo de Cristina Lopes Perna e Heloísa Orsi Koch Delgado. As autoras realizaram um trabalho de cunho teórico-pedagógico e discorrem sobre a relevância da língua portuguesa no Brasil e no mundo, por meio de dados estatísticos, enfatizando o seu papel como língua adicional, como ponto de intercâmbio cultural e comercial, e de permuta econômica. Tratam, num segundo momento, de conceitos sobre a educação para a cidadania global, e apresentam aquele utilizado na prática docente das O cunho pluricêntrico de PLA e as questões de identidade são os temas centrais dos artigos seguintes. Gabriel Nascimento e Maria D'Ajuda Alomba Ribeiro apresentam um estudo de caso, no qual se discute a questão identitária de um professor de português estrangeiro. Os autores defendem a língua como direito, como o espaço no qual os sujeitos podem existir legitimamente. No que tange à legitimidade, à cidadania global e à sensibilidade local, Isabel Cristina Michelan de Azevedo, Ricardo Nascimento Abreu e Raquel Meister Ko. Freitag argumentam em seu artigo que o português brasileiro e suas variantes correm o risco de serem sub-representados e estereotipados. Os autores defendem a necessidade de desenvolvimento de uma consciência crítica intercultural. Seguindo esta mesma linha de raciocínio, Luciana Graça e Anabela Rato propõem atividades didáticas que demonstram a diversidade linguística e cultural do mundo lusófono, com o objetivo de oferecer uma abordagem pluricêntrica para as aulas de PLA, promovendo assim a cidadania global. As autoras baseiam-se em experiências prévias com o ensino de PLA através de projetos no Canadá.
Considerando-se as perspectivas do português para fins específicos, Luísa Zanini Vargas apresenta um relato de um projeto sobre a capoeira realizado em uma escola na Martinica, território insular ultramarino francês, e tem como objetivo esmiuçar cada etapa dessa experiência e analisar seus efeitos sobre o corpo discente. O projeto relatado neste artigo, que durou cerca de dois meses, foi embasado em uma perspectiva comunicativa, acional e intercultural, e contou com o aporte teórico dessas áreas no âmbito do ensino de português enquanto língua estrangeira (PLE). A análise realizada pela autora buscou englobar o contexto sociocultural da escola e do público e os objetivos linguísticos e sociais propostos pelos docentes, em prol de uma formação à cidadania. Elisa Marchioro Stumpf tem por foco no seu artigo o português acadêmico em aulas de PLA. Para tal intento, a pesquisadora apresenta e discute uma proposta de um curso de leitura e produção de textos acadêmicos em português como língua adicional para pós-graduandos estrangeiros em uma universidade brasileira. O quadro teórico que guiou o planejamento do curso vem do modelo de letramentos acadêmicos, que destaca aspectos sociais das práticas de leitura e escrita, além de questões de poder e conhecimento, bem como as identidades dos alunos e práticas de criação de sentido. Considerando a possibilidade de utilizar o modelo para o planejamento de cursos de escrita (LILLIS, 2003), a autora examinou como este planejamento pode ser útil para expandir o ensino para além do texto. Mostrando como os princípios se materializaram no planejamento e execução do curso, discutimos suas possibilidades e limitações para o contexto.
O ensino de português como língua adicional em contexto universitário, a partir de uma pedagogia crítica intercultural é o foco do artigo de Cristina Lopes Perna e Heloísa Orsi Koch Delgado. As autoras realizaram um trabalho de cunho teórico-pedagógico e discorrem sobre a relevância da língua portuguesa no Brasil e no mundo, por meio de dados estatísticos, enfatizando o seu papel como língua adicional, como ponto de intercâmbio cultural e comercial, e de permuta econômica. Tratam, num segundo momento, de conceitos sobre a educação para a cidadania global, e apresentam aquele utilizado na prática docente das autoras em contexto universitário, qual seja, o do incentivo à aprendizagem da convivência e cooperação local e global. Por último, discorrem sobre a disciplina de português como língua adicional para alunos internacionais cursando pós-graduação em uma instituição de ensino superior do sul do país, ressaltando ações que buscam contribuir para o intercâmbio do pensamento científico crítico inserido em um ambiente plurilinguístico e multicultural.
E no fechamento deste dossiê temos dois artigos que tratam especificamente do exame do Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros (Celpe-Bras). Michele Saraiva Carilo analisa a influência do teste de proficiência Celpe-Bras nos programas curriculares de português, argumentado em favor de pedagogias críticas e interculturais. Para tal intento, apresenta-se um estudo sobre os processos de desenvolvimento e implementação curricular para cursos de português como língua adicional no contexto do Programa de Estudante-Convênio de Graduação (PEC-G). A autora teve a seguinte questão norteadora: o que formata currículos de PLA no contexto do PEC-G? Os resultados revelaram que o Celpe-Bras tem servido como orientação para desenvolvimento e/ou implementação curricular para cursos de PLA no contexto do PEC-G. Enquanto as contribuições das abordagens comunicativas e com base em tarefas para a área da educação de línguas adicionais são reconhecidas, pedagogias críticas e interculturais são introduzidas para propor uma atualização teórico-pedagógica no campo do PLA – especialmente para propósitos curriculares. Mahulikplimi Obed Brice Agossa finaliza o dossiê com uma resenha crítica do documento-base do exame Celpe-Bras e visa apresentar respostas para as seguintes perguntas: o que este recém-publicado documento-base tem de diferente dos demais documentos? Quem são os/as responsáveis pelo conteúdo? Qual a importância do documento para os/as usuário(a)s do exame?
Acreditamos que todos os artigos presentes neste dossiê, conforme enfatizado na introdução deste texto, apresentam um marco teórico-pedagógico que vai além do mero ensino de diferenças sócio-culturais, mas propõem também a formação de cidadãos globais e pensadores críticos (FREIRE, 1987, 1997), a partir da compreensão dos fenômenos investigados e contribuindo assim para o desenvolvimento do conhecimento científico, teórico e pedagógico. Por isso, convidamos o leitor a refletir sobre os trabalhos neste dossiê e a analisar como se (re)constrói uma cidadania global em aulas de português como língua adicional.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
SILVA, K. A.; SANTOS, D. T. (Orgs) Português como língua (inter)nacional: faces e interfaces.
Campinas: Pontes Editores, 2013.
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